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sexta-feira, 10 de junho de 2011

SENSO TEATRAL COM LUIZ ESPARRACHIARI


SP Escola de Teatro (link abaixo), tem uma seção chamada Papo de Teatro, que apresenta entrevistas com várias personalidades da área.
Achei interessante promover aqui no Ensaios e Cenaso mesmo formato dando destaque aos artistas da nossa região.
O convidado agora é Luiz Esparrachiari, integrante do Grupo Katharsis de Sorocaba.
  
Como surgiu o seu amor pelo teatro?
     De modo inesperado, ou melhor, fazendo teatro. Talvez simplesmente por fazer e, num certo momento, não fazer despertou um sentimento de ausência. É uma explicação mais sensível e menos mágica. Amar o teatro, para mim, é uma relação passional com todas as atividades teatrais que pude fazer e de como a partir delas eu compreendo o mundo.
Lembra da primeira peça a que assistiu?
     Sim, um pouco vagamente, sem nome, nem detalhes muito artísticos, mas prefiro dizer que lembro, só para dizer para mim mesmo que estou exercitando a memória. A peça, vulgo “teatro escola”, foi apresentada no Cine Teatro São José, em São Roque, em meados de 1992 e pelo que me lembro, tinha um bichinho da maçã. Era uma maçã gigante e o bichinho saia dela. Faz muito tempo...
Um espetáculo que mudou o seu modo de ver o teatro.
     Nossa, que difícil responder essa pergunta. No momento eu diria que Café Müller, criação da Tanztheater Wuppertal Pina Baush, me tirou do lugar. O gostoso é sempre encontrar espetáculos que nos tiram do lugar. Eu sempre assisto os espetáculos do Antunes Filho dotados de um apelo técnico impecável.
Um espetáculo que mudou a sua vida.
     Ainda mais difícil que a pergunta anterior. Na faculdade os professores sempre citam espetáculos de algumas décadas atrás, falam da sua importância histórica para o teatro e o Brasil, além de suas inovações na linguagem cênica,  e quase sempre me senti na sombra do passado. A verdade, é que eu não devia entender esses espetáculos como sombras do que faço, e sim, eu tenho que conhecê-los para ter consciência do contexto teatral que vivo, tal como quando estudava história geral no ensino médio. É mais um zelo, um respeito pelo teatro, que penso sempre antes de subir num palco. Nesse pensamento, eu pude assistir o teatro-conferência Endoscopia, em 2005, do Grupo Katharsis/Sorocaba, que de tão técnico, provocativo e investigativo, me levaram aos ventos teatrais sorocabanos, justamente para este grupo, no qual participo ativamente até hoje.
Você teve algum padrinho no teatro?
     Eu comecei a fazer teatro em 2000, no CEC Brasital/São Roque com Humberto Gomes. Ele foi o meu padrinho nesta época, sempre me estimulando, incentivando e confiando a mim personagens centrais nas montagens com o núcleo de teatro da Brasital. Mais tarde, como é comum no teatro, as pessoas viajam, ele viajou e eu ingressei no Katharsis. Lá, com o diretor Roberto Gill Camargo, a quem tenho como grande mestre, iniciamos um trabalho intenso de corpo para desenvolver o primeiro espetáculo da trilogia sobre a teatralidade, “Aves, ovos e parafusos”. Eu pude trabalhar ao lado de Ademir Feliziani, um magnífico ator sorocabano, e também com Andréia Nhur. São pessoas que me apadrinharam, que me ensinaram, que em cena me convidaram a jogar teatro com eles. Isso foi mágico.
Já saiu no meio de um espetáculo?
     Já, sim. Não citarei os espetáculo, mas contarei brevemente o que já aprontei por aí. Teve vezes que o sono me assolou e pensei que seria pior se ficasse na sessão – vai que eu ronco. Certa vez eu não gostei do espetáculo, achava uma ofensa, e fui embora de mansinho, tal como costumo fazer no cinema. Por cansaço, ainda, fui embora no intervalo do espetáculo dos “Sertões” do Teatro Oficina, o que é normal, já que pude aproveitar mais assistindo a segunda parte num outro dia. O pior, mesmo, foi ter perdido a sessão por causa de bar e jogo de futebol, nem se fosse sair no meio da sessão seria tão ruim, mas perder a sessão é que me deu muita raiva.
Cite um espetáculo do qual você gostaria de ter participado. E por quê?
     O próprio Endoscopia. Sabe quando você está assistindo um espetáculo e dá uma vontade de entrar em cena? Foi isso o que aconteceu. Não é a toa, eu sempre tive, de fato, uma ligação do meu corpo com a linguagem do Grupo Katharsis e assistir o espetáculo causava reações “pra agir” no corpo, tanto é que, no momento do debate, eu não me aguentava, eu falava demais.
Já assistiu mais de uma vez a um mesmo espetáculo? E por quê?
     Sim. Eu já assisti o Zé Celso mais de uma vez, o Gerald Thomas, Antunes Filho, o espetáculo “Agreste” da Cia. Razões Inversas, o Circo-teatro Guaraciaba com o espetáculo “E o céu uniu dois corações...”. Enfim, foram vários. É como assistir um filme, de tão bom, eu assisto várias vezes, mas com uma diferença clara, no teatro o espetáculo está constante transformação e eu posso acompanhar a evolução técnica. É um exemplo de método de aprendizagem.
Qual dramaturgo brasileiro você mais admira? E estrangeiro?
      Dias Gomes. Eu assisti o filme “O pagador de promessas”, direção de Anselmo Duarte, em 2000, e desde então, tem sido o filme que mais admiro. Gomes é espetacular, um texto incrível, sensível, ingênuo, uma síntese brasileira.
         E autor estrangeiro, Shakespeare. Eu gosto das comédias, das tragédias, tragicomédias, dos dramas históricos, até mesmo os poemas e sonetos. É o autor que enriquece a alma, em melhores palavras, me deu substância afetiva pra ler teatro, me encantando faz da minha leitura um objeto de puro prazer.
Qual companhia brasileira você mais admira?
         Alguns grupos eu sempre acompanho, como o LUME/Campinas, Teatro Oficina/Zé Celso, e em especial, o Macunaíma/CPT, mas eu sou jovem e quase sempre me surpreendo com um grupo já existente e que ainda desconhecia, tal como aconteceu quando tive contato com o Galpão, Grupo Folias, XIX, Barracão, e tantos outros. E na região, ainda pude assistir o trabalho do Coletivo Cê/Sorocaba, com o belíssimo espetáculo Desterro.
Qual gênero teatral você mais aprecia?
     Esta pergunta é emblemática, pelo próprio esforço da literatura em classificar as suas obras em gêneros, o mesmo acontece no teatro. No Katharsis, quase sempre classificamos o espetáculo como comédia, dado a sua veia-cômica, mas isso não é uma verdade absoluta, no último espetáculo, Astros, Patas e Bananas, os gêneros se misturam e se intercalam em cenas, ora cômicas e ora dramáticas. Muitos espetáculos essencialmente cômicos me cansam, chega a doer as mandíbulas e após a metade da peça estou esgotado. Eu gosto das nuances de gêneros, “a la” Machado de Assis e Rosa, ou que alguns diretores do cinema fazem de modo genial, como Fellini e Vittorio de Sica.
Existe peça ruim ou o encenador é que se equivocou?
     Uma coisa pode não ajudar a outra. Acho que se me derem um texto de Tennesse Williams, autor brilhante da dramaturgia americana, eu farei uma besteira. Não tenho propósito em montar este espetáculo, pelo menos no momento, e talvez, nem capacidade. É uma obra muito densa e exige muito do encenador. Eu me lembro de assistir num  festival a montagem de Morte e Vida Severina, adaptado da obra de João Cabral de Melo Neto, e os debatedores fizeram duras críticas a pretensão do jovem grupo a montar uma obra desconhecendo sobre o autor e a referida montagem musicada por Chico Buarque. Para os debatedores era um desrespeito. Além disso, um texto pode não ajudar mesmo que o encenador/diretor seja muito bom, os “buracos” podem aparecer, antes ou tarde.
Cite um cenário surpreendente.
     Todas as partes do espetáculo “Os sertões” com montagem do Teatro Oficina e o espetáculo “Café Müller”, citado mais acima, por conta da mobilidade do cenário, seus objetos variam de posições constantemente, e são também, importantes quando estáticos. A impressão que dá, é que o objeto está vivo, articulando com o espetáculo na produção do sentido. Ele não é pra fins decorativos, mas complementa a obra e os atores estabelecem uma relação de cumplicidade com ele.
Cite uma iluminação surpreendente.
         Gerald Thomas, “Um circo de rins e fígados”, com interpretação impecável de Marco Nanini e uma iluminação doida. A luz segue o ator, dá dimensão ao corpo, cria uma atmosfera e ainda assim, não perde o sentido da luz - iluminar. Só que isso já faz tanto tempo, que posso estar enganado.
Cite um ator/atriz que surpreendeu suas expectativas.
     A atuação de Dagoberto Feliz e, em especial, Danilo Grangheia, na montagem “Palhaços” do Grupo Folias/SP. Tive que assistir essa peça outra vez. Grangheia me surpreendeu ainda mais no espetáculo a “Orestéia – O canto do bode” (2007), apesar de não gostar do espetáculo, ele é muito bom.
O que não é teatro?
     Não sei. Sou jovem e quase sempre assisto algum espetáculo que rompe os paradigmas enraizados pelo meu próprio tempo de exercício teatral. Eu não entendo o teatro quando ele é feito em detrimento de outra coisa, por exemplo, quando enfocam na educação ou nos vulgo “teatro-empresa”, “teatro-escola”. Para mim, não é teatro na sua essência, mesmo que sejam válidos. É como ter como presidente do banco central um médico, ao invés de economista, ou até mesmo, ter como secretário da educação um administrador e não um professor. O teatro tem a sua especificidade e não dá pra negar isso, ele é arte, e arte investiga, é ciência, tenta compreender e buscar explicações para a realidade, e até mesmo, nos diz mais sobre o futuro do que a própria tecnologia.
A idéia de que tudo é válido na arte cabe no teatro?
     Não, de modo algum. Teatro não é terapia. Eu estudo muitas horas por semana, tenho uma graduação, e ainda ensaio mais de 10 horas aos finais de semana. Se me disser que tudo é válido, eu diria então que estou “gastando” tempo, quando poderia dizer que estou “produzindo”. Fazer teatro é pisar em cacos de vidro, tem que tomar cuidado pra não mexer com os mestres e ter total consciência de onde está pisando.
Na era da tecnologia, qual o futuro do teatro?
     Muitas pessoas dizem isso, mas eu vou repetir. Eu li um artigo do Boal cujo título, se me lembro bem, era “Teatro, a arte do futuro”. Por que? Fantástico. Mesmo no mundo da virtualização e praticidade, as artes cênicas mantem como base o jogo palco-platéia e por isso seria o único lugar onde “gente” encontrará “gente”. Se assim for, quem sabe o público aumentará – pelo menos, o IBGE divulgou em 2010 um aumento do público nos teatro brasileiros em todo o território nacional. Aí, teremos com consequência direta mais gente produzindo, mais difusão do conhecimento e mais edifícios teatrais.
Em sua biblioteca não podem faltar quais livros/peças?
         Eu poderia chorar. Os meus livros estão todos em São Paulo e como vim para o Rio de Janeiro, só pude trazer ½ dúzia pra consulta, entre eles:
         - Palco & Platéia – Roberto Gill Camargo
         - O papel do corpo no corpo do ator – Sônia Machado de Azevedo.
Cite um (a) diretor, um (a) autor e um (a) ator que você mais admira.
     Cacildas, que difícil! Diria... Antunes Filho, Shakespeare e Fernanda Montenegro. E ainda teria que dizer que admiro o trabalho do Gill como diretor do Katharsis.
Fale sobre o melhor e o pior espaço teatral que você conhece.
     Bem, falarei do palco à italiana, o qual eu tenho mais conhecimento. O teatro de Campos/RJ, na Fundação Trianon, é um absurdo. É gigante, tudo digital e trocam o equipamento regularmente – o que os royalties não fazem, né? Ele é maravilhoso para qualquer “mega produção” e, confesso, não saberia o que fazer com “tudo isso”. O que eu mais gosto, que tem a cara das produções  do Katharsis, é o Teatro do Sesi/Sorocaba, ele possui bons equipamentos e um tamanho modesto. Agora, o pior, devem ser aqueles que estão quase caindo aos pedaços, que precisam urgente de uma boa reforma, ou foram feito só na base de concreto sem pensar na acústica – eu vejo diversos auditórios em cidades pequenas, onde ocorrem apresentações teatrais, como acontece no auditório do CEC Cultural Brasital.
Qual encenação lhe vem à memória agora? Alguma cena específica?
         “Novas diretrizes em tempos de paz”, com Tony Ramos e Dan Stulbach, no Teatro Municipal de São Paulo, em 2005. Tem tudo a ver com um momento pessoal da minha vida, de trocar as casas e culturas. Lembro da cena inicial, todo aquele suspense e as mentiras que Dan/Polonês inventa para poder ficar no país, e ainda, citar Fausto, de Goethe.
O teatro é uma ação política? Por quê?
     Todo o teatro é uma ação política e social. Não precisa dizer que é, só precisa ser teatro.
Por que você faz teatro na região?
     Fazendo, só assim fazer teatro na região adquiriu sentido. Quando comecei fazer teatro eu pensei em muitas possibilidades de lugares para ir e vir, mas, ainda bem, que fazendo teatro, vi que as trilhas que percorri são fundamentais e não poderiam ser diferentes.
Algumas palavras sobre o teatro da região.
     Movimento, impulso, energia, fluxo de pessoas, cumplicidade, difusão, amor/amadorismo, produção de conhecimento, contato, compartilhamento, entre tantas outras palavras. O teatro da região, seja aí ou onde quer que seja, tem a sua identidade e ninguém pode tirar isso de nós, mesmo os projetos “malucos” do governo que nos entendem como tábulas rasas, sem conhecimento algum, sabemos que são apenas medidas drásticas de pessoas incompetentes tentando mostrar serviço. Para o governo, nós não somos competentes para gerir grandes quantidade de recursos, mas cá entre nós, eles também não são competentes para avaliar o nosso trabalho. Por último, gostaria de dizer que, quanto mais eu vou, mais eu quero ficar.
Foto: Inês Correa


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