Powered By Blogger

domingo, 30 de outubro de 2011

SENSO TEATRAL COM DOUGLAS EMILIO


SP Escola de Teatro (link abaixo), tem uma seção chamada Papo de Teatro, que apresenta entrevistas com várias personalidades da área.
Achei interessante promover aqui no Ensaios e Cenaso mesmo formato dando destaque aos artistas da nossa região.
O convidado agora é Douglas Emilio, integrante do Grupo Katharsis, Companhia de Solistas e Coletivo Nonada.


  Como surgiu o seu amor pelo teatro?
Na verdade surgiu a princípio pela dança, mas não sei dizer ao certo o que faz um garoto de 9 anos se interessar por Ballet Clássico, em todo caso me envolvi, depois de um certo tempo tive a necessidade de experimentar e me expressar de outras formas. Foi aos 13 anos que entrei para fazer teatro, mas o amor pelo teatro aconteceu aos poucos, é como estar com alguém, primeiro você conhece, experimenta bastante, apresenta aos pais e aos amigos, quando acontece uma crise (por alguma razão), você precisa escolher se separar ou não, é  exatamente nesse momento que o amor te toma por completo, percebe que não irá conseguir viver mais longe. (risos)
Lembra da primeira peça a que assistiu?
Sim! Foi “Pluft o fantasminha” de Maria Clara Machado. Nossa! Ninguém nunca me fez essa pergunta, fiquei até em duvida por um tempo. Pode ter sido o “Avarento” de Molière, uma das duas.
 Um espetáculo que mudou o seu modo de ver o teatro.
Muitos, mas significantemente “Café Müller” de Pina Bausch, assistia em vídeo, nem sei quantas vezes eu assisti e nem sei quantas vezes ainda continuarei, é um espetáculo poderoso (mesmo em vídeo), quando assisti ao vivo foi uma experiência indescritível.
Um espetáculo que mudou a sua vida.
Como ator e bailarino, tudo que encenei, dancei sempre me modificaram bastante, na verdade se a obra não muda o próprio ator não muda ninguém, não é? Como espectador, todos de Pina Bausch, Cena 11, Grupo Corpo, Quasar, Le Ballet C de lá B, Théâtre du Soleil, Peter Brook, Bob Wilson, Grupo XIX, Grupo Espanca, Antunes Filho, Zé Celso, Galpão, DV8... Obviamente todos sabem que são incríveis... Deixa eu pensar em alguns grupos e diretores menos conhecidos e que foram importantíssimos, “Interior” do Grupo Tusp, “Agreste” dirigido pelo Márcio Aurélio, “Primus” da Boa Companhia, “Aldeotas” dirigido por Cristiane Paoli Quito,  acho que também são famosos (risos). Tentando rememorar, acho que foi - sobre todos esses - o “Interior”, estava na adolescência e me ajudou bastante com algumas questões, me lembro que estava lotado o teatro do SESI de Sorocaba, estávamos Eu, Robson Catalunha e Luiz Perino sentados na escada (apertados), morrendo de rir e em outros momentos soluçando de tanto chorar.
Você teve algum padrinho no teatro?
Olha! Tive tanta sorte nessa minha jornada, passei por diretores e professores incríveis que sempre me deram bons conselhos, me apontaram coisas e pessoas importantes, me alertaram de questões que eu ainda nem compreendia, me mostraram caminhos, tiveram paciência, me deram força quando eu mais precisei, seguraram com firmeza as minhas crises de rebeldia, meu ego, minha arrogância, minha falta de grana, minhas desilusões... Depois de um tempo a gente percebe a importância de cada um deles, desde Silvia Nogueira (primeira professora de Ballet Clássico – 1995), até Roberto Gill e Raquel Ornelas (diretores com quem eu trabalho atualmente no Grupo Katharsis e Companhia de Solistas – 2011).
Já saiu no meio de um espetáculo?
Nunca sai, mas já dormi bastante... Atualmente, mesmo não gostando faço de tudo para continuar conectado, sei o que é estar no palco e principalmente sei que a coisa mais importante da minha vida é meu tempo, por isso tenho muito respeito com o tempo em que o artista esta se dedicando para apresentar a obra, sendo ela da qualidade que for.
Cite um espetáculo do qual você gostaria de ter participado. E por quê?
“SkinnerBox” do Grupo Cena 11, é um espetáculo de dança contemporânea, mais do que o espetáculo é um grupo muito incrível, apresenta um projeto de pesquisa muito avançado em comportamento, condicionamento, composição estética, construção coreográfica que explora as correlações conceituais entre corpo, dança e tecnologia, é difícil dizer sobre o Grupo Cena 11, como é um projeto de pesquisa, eles avançam nas experimentações com grande velocidade, apresentando e ampliando novas esferas da pesquisa, construindo os espetáculos em formatos diferenciados e inéditos.

Já assistiu mais de uma vez a um mesmo espetáculo? E por quê?
Sim! Coisa boa não é só para uma só vez. Sou muito assim, experimento mudar muito, fazer de outras formas, mas também ouço muito uma mesma música, vejo muitas vezes o mesmo filme, vou atrás muitas vezes do mesmo espetáculo, leio o  mesmo livro, tomo sorvete do mesmo sabor, uso o mesmo jeans (do corpo para a lavanderia, da lavanderia para o corpo), nem da tempo de chegar na gaveta, tenho muitas camisetas iguais, pretas sem estampa da Hering. Risos. Gosto e vou muito assistir ao mesmo espetáculo mais de uma vez.
Qual dramaturgo brasileiro você mais admira? Estrangeiro?
Nossa! Que difícil... Brasileiro acho que Luiz Alberto de Abreu, Ariano Suassuna, João Falcão... Muitos... Estrangeiros, são muitos também, mas é indiscutível a importância de Shakespeare na minha vida.
Qual companhia brasileira você mais admira?
Eu tenho uma tendência de gostar e ir atrás, por esse motivo entrei no Grupo Katharsis, é a companhia que eu mais admiro.
Qual gênero teatral você mais aprecia?
Eu gosto de teatro bom (risos).
Existe peça ruim ou o encenador é que se equivocou?
Temos o costume de separar as coisas para que didaticamente seja mais fácil de compreender, mas as coisas não são separadas, diretor não faz milagre, ator não faz milagre, no teatro não existe milagres, só trabalho/ técnica, estudo/ prazer e disciplina/ paixão. Conjunta.
Cite um cenário surpreendente.
Espetáculo “Ten Chi” - Pina Bausch
Cite uma iluminação surpreendente.
Espetáculo “Quartett” - Robert Wilson
Cite um ator/atriz que surpreendeu suas expectativas.
Denise Stoklos
O que não é teatro?
Terapia.
A ideia de que tudo é válido na arte cabe no teatro?
Olha! A pergunta é, tudo é válido na arte? Acredito que quando uma coisa designa muitas outras coisas, ela não designa mais nada, tudo é muita coisa a ser nomeada ou determinada.
Na era da tecnologia, qual o futuro do teatro?
O mesmo. Continuar caminhando junto, nunca estiveram um longe do outro; uma cadeira é uma tecnologia para descanso, se pensarmos sobre isso sempre perceberemos que a evolução é conjunta, mesmo que pensemos em ações grandiosas com a tecnologia, ela nunca assustou o teatro, pelo contrário, vide Deus ex machina origem do teatro grego, máquina de fumaça que nos anos 80 foi uma febre, projeções em telões, em figurinos, encenações por webcan, o próprio teatro é uma tecnologia, esses avanços existem por necessidade, sempre brinco que o cinema 3D está se tornando teatro, a imagem está cada vez mais perto que logo estaremos dentro do filme e quando isso acontecer já terá um nome: teatro. (risos)
Em sua biblioteca não podem faltar quais livros/peças?
A lista seria gigante, mas vou pensar como se eu tivesse apenas uma mala, então eu facilitaria com um livro completo de Anatomia Humana, História da Arte, “Primeiras Estórias” Guimarães Rosa, “Pequeno Príncipe” Antoine de Saint-Exupéry, “Para Alice com amor” José Pacheco (tudo que acredito sobre educação esta contido nesse livro), um livro de poemas de Mario Quintana e outro de contos de Caio Fernando de Abreu.
Cite um (a) diretor, um (a) autor e um (a) ator que você mais admira.
Ariane Mnouchkine, Shakespeare e Meryl Streep.
Fale sobre o melhor e o pior espaço teatral que você conhece.
O pior espaço é aquele em que o espetáculo e a encenação não se compactuam. Não existe pior ou melhor, existe proposta estética.
Qual encenação lhe vem à memória agora? Alguma cena específica?
Hum! Isabelle Huppert caminhando lentamente até o fundo do palco (imenso), dizendo seu texto como se estivesse desistido da vida, desistido do amor, enquanto um aquário lentamente entra em cena deslizando pela lateral com dois peixinhos, numa iluminação e numa sonoplastia monstruosamente incrível.
O teatro é uma ação política? Por quê?
Por que continuamos a fazer e discutir teatro?  Porque a ideia é a coisa mais poderosa do mundo, comunicar uma ideia é ter a chance de mudança, propor uma ideia é saber que em alguma instância ela irá reverberar no espectador, todo teatro é político, tem o poder de comunicabilidade, uma forma poderosa de  propor  assuntos de interesse coletivos ou de pequenos grupos, dando a chance de ganhar visibilidade e construir conhecimento para o bem comum de todos.
Por que você faz teatro na região?
Porque é onde moro, não faz sentido algum só propor mudanças para pessoas que eu nem conheço, comunidades que eu não tenho  vínculo, cidades nas quais não existe aproximação com a realidade em que vivo. Obviamente que expandir as fronteiras do trabalho é de extrema importância e também saudável, mas achar que encontrará algo diferenciado ou é melhor fazer teatro ali em vez de aqui é pura alienação, não tem nenhum sentido eu me propor fazer um espetáculo para pessoas que moram ou frequentam por exemplo a praça Roosevelt,  qual a minha aproximação? Arte para quê? É preciso sempre se perguntar sobre isso, o que você quer atingir? Tem grupos que querem o estrelato em vez de propor pequenas mudanças poéticas na vida das pessoas.
Algumas palavras sobre o teatro da região.
Olha! Para falar a verdade eu conheço pouco a realidade dos grupos aqui de Sorocaba e região, não tenho propriedade para falar, mas sabemos da dificuldade de ter um grupo sem apadrinhamento, o Grupo Katharsis tem a UNISO ajudando nas despesas de espaço e pagamento do excelente diretor Roberto Gill Camargo, a Companhia Clássica tem o Mario Pérsico que é integrante do corpo docente da FUNDEC, Companhia Camarim ensaia no espaço próprio do Hamilton Sbrana onde também funciona uma escola de teatro, mas existem grupos que sobrevivem pagando seu próprio aluguel, é o caso do Grupo Nativos Terra Rasgada dirigido pelo esforçadíssimo e trabalhador Flávio Mello, temos ainda a Trupe Koskovisky que inaugurou um espaço (muito bacana), no qual ministra oficinas e apresentações de espetáculos teatrais, temos a ETAC (Escola Técnica de Arte e Comunicação), dirigida pelo comprometido e amável Tom Barros, no qual são formados muitos alunos que estão “disputando” seu lugar ao sol, propondo formação de grupos e já se apresentam pela cidade, Coletivo Cê que realiza um trabalho primoroso, mas que esta sem sede fixa (agora batalham um espaço em Votorantim), Coletivo Nonada que fez estréia do primeiro espetáculo, vem com um projeto artístico e engajamento político bem forte do qual eu sou integrante, acho que os outros grupos (me desculpem se esqueci de alguém ou se estiver equivocado), estão ainda “flutuando”, atrás de oportunidades de espaços para se firmarem e conseguirem estudar, pesquisar, trabalhar no que se propõem.
http://www.spescoladeteatro.org.br/


Douglas Emilio em cena de Astros, Patas e Bananas
Grupo Katharsis 




quinta-feira, 27 de outubro de 2011

PUERIL

“Na verdade, simplesmente os alerto e estimulo a descobrirem coisas que lhe permitem fazer um teatro com sensibilidade, porque o teatro que está sendo feito por aí é um teatro sem sensibilidade, feito na base do muque, da projeção do ego, que é o peito, é a garganta...”
Antunes Filho 
Foto: Mirna Módolo

De Stanislaviski à Antunes Filho, passando por centenas de outros teóricos do teatro, a busca pela verdade do ator em cena é uma constante.
Creio que essa busca também seja constante para atores do tipo Daiana Coelho e Douglas Emílio que eu conheço um pouco mais na cena e na vida, estendível a Fabiana Souza e Robson Roso, que começo a conhecer um pouco mais da vida e da cena. 
Em tempos em que até o sentido de verdade tem sido relativizado,  tenho a opção de entender verdade como aquilo que me afeta como diretora e público de teatro.  
Minhas desculpas antecipadas, por escrever agora sobre coisas que vão ser compreendidas apenas por quem assistiu ou assistirá Pueril...
Vou me ater apenas a dois instantes do espetáculo protagonizados por Douglas Emílio: a cabeça do tatu e a espera. 
Não estou falando sobre a cena em si, mas de momentos fugidios de algo que me atravessou (pedindo emprestado de um termo usado pelo Rodrigo Scarpeli).  
Impermanência...o corpo construído/desconstruído, o gesto feito/desfeito, a pulsação, o lampejo de um sentimento, sei lá...Enfim, impermanência é a palavra que traduz pra mim esses instantes em que o ator consegue afetar o coração do espectador. Mas se não permanece, por que afeta? 
Talvez por que essa tal verdade que se busca tanto nessa arte  seja mesmo rara, usando de uma imagem, talvez, essa verdade seja uma flecha e o ator tenha que ser um exímio atirador para acertar sempre o alvo. 
Bem, Pueril pra mim gira em torno da impermanência da vida e da própria arte teatral. E o que mais me saltou os olhos, de forma geral, é que ali existem atores e atrizes que fazem teatro com sensibilidade.
Com vários objetos e sons simples, criam imagens maravilhosas e acompanha-se a obra com interesse.
Por isto e por aquilo, muito obrigada ao Coletivo Nonada.
Foto Mirna Módolo


sábado, 8 de outubro de 2011

CAFÉ COM QUEIJO

LUME (Núcleo de Pesquisas Teatrais Unicamp) 
"Que o teatro nos transforme." (Dedicatória de  Renato Ferracini para mim.)
Eu tenho alguns ídolos no teatro, melhor dizendo, tenho referências que norteiam minha forma de "viver teatro" e o LUME de Campinas é uma delas.
Bebo da fonte do Lume há muito tempo (o grupo foi criado em 1985), através de livros, dissertações e vídeos. 
Então, imaginem o prazer que eu senti ontem em Sorocaba, em estar tão perto de Ana Cristina Colla, Jesser de Souza, Raquel Scotti Hirson e Renato Ferracini e depois poder abraçá-los e declarar toda minha admiração por eles. Foi lindo!
Pausa para um copia e cola (eticamente, citando a fonte que é do site do grupo): Sobre Café com queijo:



Conversas e histórias, entremeadas por canções e versos, compartilham com o público vozes e vidas resgatadas da clandestinidade em suas andanças pelo interior do Brasil.
No aconchego de uma colcha de retalhos, fala-se um pouco de tudo: de curas para males de saúde e do coração, das artes da conquista, de comida, festa, morte, trabalho, solidão, aculturação.Neste espetáculo delicado, tudo tem cheiro e sabor, e não apenas de café com queijo ralado - bebida típica oferecida aos atores no interior de ocantins.Criado em 1999, o espetáculo já se apresentou em diversas cidades do Brasil, tendo participado dos principais festivais nacionais de teatro e apresentado nas cidades de Lisboa, Évora e Santo André, em Portugal.  


Eu chorei tanto durante o espetáculo, por que a voz e os corpos daqueles quatro atores fabulosos afetam os corpos e as vozes de cada pessoa que está ali assistindo.
Eu chorei, porque ouvi vozes e senti corpos de meus antepassados, de uma família mais antiga e de uma mais recente. 
Eu chorei (e ri!) porque é impossível sair igual ao ter entrado, dentro daquela sala do Café com queijo...
Eu só posso concluir que escolhi o lugar certo para viver os últimos anos do resto de minha vida: o teatro.